O nosso fundador e director clínico, Dr. Miguel Stanley, escreveu um artigo pertinente e instigante sobre a importância de reavaliar o financiamento da medicina dentária em todo o mundo, de modo a dar prioridade aos cuidados dentários, ligar dentistas e médicos, assegurar a inegável ligação entre a boca e o corpo, e tornar a medicina dentária mais acessível a todos.
Durante anos, os líderes em medicina dentária têm sublinhado que a boca é uma parte integrante do corpo, mas os sistemas de saúde em todo o mundo continuam a tratá-la como um assunto secundário. Apesar das provas irrefutáveis que ligam a saúde oral a doenças sistémicas, como a doença de Alzheimer, doenças cardiovasculares, diabetes e doenças autoimunes, os cuidados dentários continuam a ser cronicamente subfinanciados, despriorizados e desligados da medicina convencional.
Isto está a tornar-se um problema óbvio, e precisamos de conversar mais sobre o assunto.
O Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido é um exemplo claro deste desequilíbrio. No ano financeiro de 2024/25, o NHS England recebeu 193,2 mil milhões de libras para os cuidados de saúde, mas apenas 3,2 mil milhões de libras – 1,7% do total – foram atribuídos à medicina dentária. Nem sequer 2% do orçamento total dos cuidados de saúde. Isto reflecte claramente a pouca importância que o governo do Reino Unido dá à saúde oral.
Mas não se trata apenas de um problema do Reino Unido. Este padrão repete-se a nível mundial, reforçando uma ideia errada e perigosa – a de que a boca e o resto do corpo estão de alguma forma separados. Esta desconexão é uma das principais causas do aumento das doenças crónicas em todo o mundo.
Assim, quando quase todos os principais problemas de saúde têm uma relação comprovada com a saúde oral, porque é que o financiamento continua a ser tão desproporcionado?
A ligação entre a boca e o corpo: a ciência é clara, mas a política fica para trás
A crença ultrapassada de que a saúde oral está separada da saúde sistémica não é apenas errada – é perigosa. A investigação científica continua a confirmar que a doença oral não é um problema localizado, mas sim um factor chave na inflamação sistémica, doença crónica e mesmo na mortalidade.
- Doença de Alzheimer: um estudo da Science Advances encontrou Porphyromonas gingivalis, uma bactéria ligada à doença das gengivas, no cérebro de pacientes com Alzheimer, sugerindo um potencial papel causal na neurodegeneração.
- Doenças cardiovasculares: os indivíduos com periodontite têm duas vezes mais probabilidades de sofrer ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais, uma vez que as bactérias orais contribuem para a inflamação das artérias e para a formação de coágulos sanguíneos.
- Diabetes: a ligação entre a diabetes e a doença das gengivas é bidirecional – um mau controlo glicémico agrava a doença das gengivas, enquanto a inflamação periodontal aumenta os níveis de açúcar no sangue, tornando a diabetes mais difícil de gerir.
- Doenças autoimunes: doenças como a artrite reumatoide e o lúpus estão associadas a infecções orais crónicas que desencadeiam uma inflamação sistémica, exacerbando a progressão da doença.
Estas não são conclusões isoladas. O National Institutes of Health (NIH) confirmou em 2021 que a saúde oral está directamente ligada à saúde geral. Um estudo da Scientific Reports relacionou a perda de dentes e a boca seca com o aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias.
A ligação entre a inflamação oral e a inflamação sistémica é inegável. A redução das infecções crónicas na boca leva a uma queda imediata dos marcadores inflamatórios sistémicos.
Imagine se não só nos concentrássemos na prevenção, mas também tratássemos e corrigíssemos adequadamente os problemas de saúde oral de longa data.
Escrevi recentemente um artigo sobre Medicina Dentária de Revisão,um conceito centrado na identificação e substituição de tratamentos dentários desactualizados, com falhas e biologicamente incompatíveis, por soluções modernas, biomiméticas e biocompatíveis. Imagine um mundo onde os governos e as seguradoras financiassem a verdadeira medicina dentária – não apenas obturações e extracções básicas, mas uma reabilitação oral abrangente destinada a eliminar fontes de infecção crónica e disfunção biomecânica. Restaurar a boca correctamente, com um enfoque na saúde e longevidade a longo prazo.
Em que medida é que isto reduziria a carga sobre os sistemas de saúde?
- Quantas admissões hospitalares poderiam ser evitadas se os pacientes deixassem de sofrer de infecções crónicas não diagnosticadas?
- Quanto é que a produtividade aumentaria se as pessoas não estivessem constantemente a lutar contra os efeitos sistémicos das doenças orais?
- Quanto dinheiro poupariam as companhias de seguros se os marcadores inflamatórios de toda a população fossem drasticamente reduzidos?
- Que impacto teria isto na saúde das nações e das suas economias?
Eu diria que teria um impacto muito significativo.
Uma questão global: o défice de financiamento na saúde oral
O Reino Unido é apenas um exemplo de uma falha mundial na atribuição de prioridade à saúde oral. Em diferentes modelos de cuidados de saúde – quer sejam públicos ou privados – a medicina dentária é sistematicamente subfinanciada, inacessível e separada dos cuidados médicos mais alargados.
- Estados Unidos: apesar de um sistema de saúde largamente privatizado, 74 milhões de americanos não têm cobertura dentária. O seguro dentário é muitas vezes separado do seguro médico, o que leva a elevados custos directos – em média, 1500 dólares por agregado familiar em 2020 – que afectam desproporcionadamente as populações com rendimentos mais baixos.
- Canadá e Austrália: mesmo com cuidados de saúde universais, os cuidados dentários são frequentemente excluídos, obrigando os pacientes a recorrer a seguros privados ou a pagar do próprio bolso. Isto cria um sistema de dois níveis em que aqueles que podem pagar os cuidados recebem-nos, enquanto outros sofrem em silêncio.
- Portugal: o Serviço Nacional de Saúde (SNS) afectou 14 mil milhões de euros aos cuidados de saúde em 2023. No entanto, nenhum desses fundos foi afectado aos cuidados dentários. A medicina dentária em Portugal é quase inteiramente privada, com apenas um punhado de dentistas a trabalhar no âmbito do sistema público.
Isto levou a disparidades significativas no acesso, particularmente para as populações com rendimentos mais baixos. Um estudo da Lancet de 2023 concluiu que os indivíduos com uma saúde oral deficiente tinham um risco 75% mais elevado de desenvolver cancro do fígado, enquanto uma investigação japonesa de 2024 associou hábitos de escovagem irregulares a um maior risco de doença cardiovascular.
Sabemos que o tratamento das doenças orais reduz a inflamação sistémica – então porque é que continuamos a tratar a medicina dentária como uma entidade separada em vez de uma parte integrante dos cuidados de saúde gerais?
O custo da negligência: quanto é que estamos realmente a perder?

Paciente de 70 anos com uma série de infecções crónicas em torno de tratamentos dentários antigos falhados, com graves problemas de saúde nos últimos 20 anos. Os seus médicos de cuidados primários não solicitaram qualquer tratamento dentário.
É tempo de deixarmos de encarar a saúde oral como uma mera questão de prevenção e começarmos a reconhecer os enormes benefícios económicos do tratamento adequado das doenças existentes.
Actualmente, a maior parte dos sistemas de saúde mundiais pouco ou nada afectam à medicina dentária.
Isto não devia mudar?
Ou melhor ainda, não deveríamos finalmente começar a tratar a boca com a mesma prioridade que o coração, o cérebro ou os rins?
Porquê esta teimosia em vê-la como uma parte separada do corpo, quando tem claramente um impacto no todo?
Um apelo à acção: o caminho a seguir
Se queremos realmente reduzir o peso das doenças crónicas, a saúde oral deve ser plenamente integrada na política geral de cuidados de saúde. Isto significa:
- Eliminar a divisão artificial entre a medicina dentária e a medicina. Os profissionais de saúde oral devem ser plenamente integrados em equipas de saúde multidisciplinares, trabalhando em conjunto com os médicos para gerir doenças como a diabetes e as doenças cardiovasculares.
- Reforma das estruturas de financiamento. Os governos devem afectar os orçamentos dos cuidados de saúde de uma forma que reflicta o impacto sistémico da má saúde oral. Uma afectação orçamental de 1,7%, como se verifica no Reino Unido, não é nem de perto nem de longe suficiente para resolver a dimensão do problema. A boca e os dentes podem criar mais de 1,7% dos problemas de saúde no corpo. Está na altura de pensar de forma diferente sobre esta disparidade.
- Alargar o acesso a cuidados completos. Quer seja através de sistemas de saúde universais ou de modelos de seguros privados, o financiamento não deve apenas cobrir os procedimentos básicos – deve apoiar a restauração biológica e funcional, em conformidade com a ciência do século XXI.
- Educar os decisores políticos e o público. A percepção da medicina dentária como uma preocupação secundária tem de mudar.
A saúde oral não tem apenas a ver com os dentes – tem a ver com a prevenção de doenças potencialmente fatais, com a redução dos custos dos cuidados de saúde e com a melhoria da qualidade de vida.
Seguir em frente: um futuro mais saudável
Como profissionais de saúde, testemunhamos todos os dias as consequências de negligenciar a saúde oral. Os pacientes sofrem dores que podem ser evitadas, as famílias enfrentam dificuldades financeiras devido a uma cobertura de seguro inadequada e os sistemas de saúde suportam o fardo de doenças crónicas que poderiam ter sido eliminadas através de uma intervenção oral adequada.
Os números falam por si: gastam-se milhares de milhões no tratamento de doenças que poderiam ter sido evitadas – ou mesmo revertidas – tratando as infecções orais, a inflamação e as disfunções biomecânicas.
A saúde oral não é um luxo; é uma necessidade, é uma parte integrante do bem-estar sistémico.
É tempo de os governos e as companhias de seguros repensarem a sua abordagem – para benefício de todos.
E, sinceramente, só posso imaginar quanto dinheiro poupariam se finalmente o fizessem correctamente.
*Escrito pelo Dr. Miguel Stanley.