O processo de desintoxicação dentária, que entendemos como a eliminação de inflamação oral, seja de quistos, cavitações, ou até mesmo inflamação gengival, é de uma importância extrema não apenas na terapêutica e prevenção do cancro, mas também na manutenção da saúde como um todo. Normalmente o médico vê um corpo sem boca, enquanto a grande parte dos médicos dentistas vê uma boca sem corpo.
Na realidade, ambos esquecem-se, ou muitas vezes desconhecem, que essa ligação é capaz de fazer toda a diferença no momento do diagnóstico e durante o tratamento.
O conceito da ligação cavidade oral e corpo foi desenvolvido pelo médico alemão Dr. Reinhold Voll (1909-1989), criador da electro-acupuntura de Voll, que, por meio de um equipamento específico, conseguiu identificar 12 meridianos que compõem esses circuitos internos. Divididos em seis canais de força de Yin e seis canais de força Yang, responsáveis pelo equilíbrio do corpo, esses meridianos formam pares simétricos, bilaterais, exatamente iguais, responsáveis pela harmonia dos principais órgãos.
Enquanto os meridianos Yin passam pelos órgãos sólidos (baço-pâncreas, coração, circulação-pericárdio, fígado, pulmões e rins) que elaboram e armazenam substâncias essenciais para o funcionamento do corpo humano, os meridianos Yang correspondem aos órgãos ocos que absorvem, purificam e auxiliam na circulação das substâncias corporais, impactando a bexiga, o estômago, o intestino delgado, o intestino grosso e a vesícula biliar.
Com base nas descobertas do Dr. Voll, e outros investigadores observaram que a presença de amálgamas, infecções dentárias e cavitações (também chamadas NICO, Neuralgia Inducing Cavitational Osteonecrosis, que surgem principalmente quando um dente é extraído, mas o ligamento periodontal é mantido. A permanência desse ligamento pode estimular a formação de um tecido inflamatório tóxico que contém citoquinas CCL5, que é prejudicial para a saúde, concentrada no espaço deixado pela extração dentária) impactam diretamente o órgão correspondente. Estudos sobre a presença desta citoquina têm conseguido estabelecer uma relação entre o cancro e as infecções dentárias ou a contaminação metálica decorrente das obturações.
Em 1931, o médico e bioquímico alemão Otto Warburg ganhou o Prémio Nobel da Medicina por ter relacionado o açúcar com o crescimento das células tumorais. Considerado um dos grandes génios da humanidade, Otto Warburg percebeu logo que as mutações genéticas podem participar na progressão da doença, mas não constituem a causa primária, como muitos acreditam atualmente. O cancro apresenta uma instabilidade genética como consequência de uma disfunção mitocondrial, decorrente da mudança do metabolismo aeróbico para anaeróbico. O aumento da atividade de oncogénese e a diminuição da ação dos genes supressores são a iniciação do cancro, sendo este processo disseminado com a migração das células cancerígenas pelos sistemas vascular e linfático, para a formação de novos tumores que se alimentam por via da angiogénese.
O cancro de origem genética corresponde a 5 a 10% dos casos, 15 % de origem viral, enquanto os de origem epigenética, relacionados com fatores ambientais e/ou com estilo de vida do paciente, representam 90 a 95%.
A presença de inflamação dentária e metais tóxicos faz parte da epigenética. “A genética representa o revólver, e a epigenética apertar o gatilho”. Significa que podemos ter uma predisposição genética, mas esta não é determinante para desenvolver a doença. Essa doença só se desenvolve “se apertarmos o gatilho” e tivermos maus hábitos de estilo de vida, toxinas, inflamação, depressão, entre outras.
Uma inflamação na cavidade oral ou infeção pode ser a causa oculta de muitas doenças, incluindo o cancro. Muitas vezes uma simples avaliação dentária, juntamente com a presença de uma imagem tridimensional radiográfica/CBCT, permite encontrar o órgão debilitado. Dessa forma, a eliminação dos materiais tóxicos e dos dentes infectados permite reverter alguns sintomas e até mesmo reverter o quadro de doença novamente para um quadro clínico saudável.
O exame da super-expressão da citoquina inflamatória presente nos maxilares (CCL5) permite-nos saber se a existência de inflamação oral está a afetar o nosso organismo sistemicamente e que a sua super-expressão pode levar ao aparecimento de cancro. No entanto, nos últimos anos, foram desenvolvidos testes personalizados que se baseiam em métodos genéticos e também em detectar, quantificar as células tumorais a partir de uma biópsia líquida.
Por meio da biópsia líquida podemos:
- Monitorizar a probabilidade de recidiva de cancro
- Detetar e quantificar as células tumorais circundantes como uma medida precoce
- Identificar marcadores específicos de células estaminais circundantes
- Analisar quais os fármacos (quimioterapias e terapias-alvo) e substâncias terão eficácia
Para compreender como a tecnologia funciona, basta colocarmos o caso de um paciente com uma infeção crónica: normalmente é submetido a uma série de exames, incluindo uma colheita de urina, fezes ou sangue para a realização de um antibiograma, que permite saber que antibióticos são eficazes no tratamento. Porque no cancro não é feito o mesmo? Este teste de biópsia líquida permite-nos saber qual é a quimioterapia que mais se adequa e é mais eficaz para cada paciente e se o paciente vai reagir bem ao tratamento. Também permite classificar a sensibilidade para extratos e substâncias naturais, permitindo assim adotar vitaminas ou fitoterapêuticos com propriedades anticancerígenas, tais como a vitamina C, o ácido alfa-lipóico, curcumina, melatonina, resveratrol, vitamina D, entre outras.
Além da redução dos efeitos adversos ocasionados pela quimioterapia, esse método traz como vantagens a diminuição ou eliminação das chances de recidiva e a obtenção de uma melhor resposta ao tratamento com sensibilidade para fármacos e substâncias naturais. E tudo isto a partir de uma simples análise de sangue.
Na White Clinic, na nossa consulta para pacientes oncológicos, que já tiveram cancro ou com familiares que tiveram cancro, temos uma abordagem integrativa que passa pela observação clínica e radiográfica, onde o CBCT tem um papel essencial no despiste de presença de inflamação crónica oral. Além disso serão feitos exames complementares a nível genético, bem como exames onde serão testadas toxinas, parasitas, metais pesados, deficiências metabólicas, incluindo também a biópsia líquida para percebermos a presença de cancro ou de recidiva, e se necessário orientar qual a melhor terapia ou terapias complementares para o que o tratamento seja o mais eficaz e com menos efeitos adversos.
Dra. Ana Paz, Ciência, Investigação e Actividade Clínica na White Clinic
*Originalmente publicado em Jornal Dentistry.