As doenças sistémicas e inflamatórias crónicas têm vindo a aumentar no século XIX, e é um tópico cada vez mais discutido na área da medicina. Hoje em dia, sabemos que a cavidade oral tem um papel importante no diagnóstico e tratamento destas doenças. Um bom diagnóstico dentário e uma boa saúde oral são essenciais para o sucesso do tratamento destas doenças. A presença de doença periodontal é dos temas mais abordados quando falamos de doenças sistémicas, mas não podemos esquecer que a periodontite não é a única doença oral que está associada a problemas de saúde geral. Existem outras, tais como as cavitações ósseas nos maxilares, que podem influenciar a nossa saúde sistémica.
O papel da medula óssea
A medula óssea é composta por diferentes áreas com funções celulares variadas. Por um lado, os sistemas de células mesenquimais são fontes de osteoblastos, fibroblastos e células de gordura; por outro, o sistema hematopoiético preenche os espaços do estroma medular e exerce uma influência significativa no sistema imunológico. No osso maxilar, o sucesso a longo prazo de qualquer cirurgia oral depende das interações desses dois sistemas celulares diferentes que controlam significativamente o processo de regeneração e são componentes essenciais do metabolismo ósseo. Os osteoclastos e osteoblastos determinam a massa óssea, bem como a estrutura e resistência do osso por meio das suas respetivas funções na reabsorção e formação óssea. A remodelação óssea é um processo espacialmente coordenado ao longo da vida, no qual o osso mais antigo é removido por osteoclastos e substituído por osteoblastos formadores de osso. O preenchimento das cavidades que se formam devido à reabsorção é incompleto em muitas condições patológicas, resultando numa perda líquida de massa óssea durante cada ciclo de remodelação. Uma situação única de remodelação óssea parece ocorrer no caso da osteonecrose degenerativa gordurosa na cavidade medular do osso maxilar, conhecida como FDOJ (Fatty degenerative osteonecrosis in the medullary space of the jawbone). É essencial entender que em qualquer manipulação do osso maxilar – por exemplo, colocação de implantes, extração dentária e de e de terceiros molares – ativa vários processos inflamatórios, que são seguidos por mecanismos fisiológicos de reparação óssea. Mas o que é a osteonecrose degenerativa do osso maxilar, ou FDOJ?
O que é exactamente FDOJ?
Quando temos presente uma inflamação crónica, esta influencia fortemente a osteoimunologia, determinando profundas alterações metabólicas, estruturais e funcionais no osso. São frequentemente descritos e discutidos na literatura científica os chamados edemas medulares ou defeitos ósseos circunscritos “focais” na mandíbula (“defeitos focais da medula osteoporótica”).
Estas cavitações da mandíbula são caracterizadas por frações necróticas da medula óssea e as osteólises degenerativas gordurosas do osso maxilar (FDOJ) podem ser dolorosas ou permanecer assintomáticas por anos. Áreas afetadas por FDOJ podem ser impactadas pela super-expressão de mediadores inflamatórios, como as quimiocinas CCL5 conhecida também como RANTES (Regulated upon Activation, Normal T-cell Expressed and presumably Secreted).
As características macroscópicas das amostras de osso FDOJ são consistentemente semelhantes. Devido ao amolecimento da substância óssea, o espaço medular pode ser curetado. A degeneração do osso esponjoso estende-se até as áreas mandibulares, chegando até o canal do nervo alveolar inferior.
Um grupo de investigação na Alemanha, com quem trabalhamos, tem vindo a documentar sobre a gravidade dessas lesões há muitos anos, nas suas publicações.
A Figura 1 é um exemplo de FDOJ onde vemos no CBCT (meio diagnóstico essencial para detetar a presença de cavitações) uma imagem predominantemente radiolúcida do maxilar inferior direito (4º quadrante).
Figura 1
As Figuras 2 e 3 representam uma amostra de FDOJ que exibe uma transformação predominantemente gordurosa do osso maxilar tanto superior, bem como o CBCT correspondente que mostra uma área aparentemente radiolúcida no maxilar superior (dente 21).
Figura 2
Figura 3
Super-expressão específica de RANTES/CCL5 em FDOJ e a possível conexão com doenças sistémicas
A resposta inflamatória do tecido adiposo associada a uma resposta inflamatória sistémica é bem conhecida e amplamente estudada. A secreção de quimiocinas inflamatórias medeia os efeitos sistémicos da inflamação do tecido adiposo e a maioria dos tecidos adultos normais contém poucas, se houver, células RANTES/CCL5 positivas. Em contraste, a expressão de RANTES/ CCL5 aumenta de forma significativa em locais inflamatórios.
Esses resultados indicam uma expressão mais elevada de RANTES/CCL5 do que anteriormente presente na ausência de inflamação, o que sugere que varias ações inflamatórias estão a ocorrer neste momento que aumentam a expressão deste mediador, como acontece tipicamente na FDOJ.
A redução do fluxo sanguíneo e da densidade capilar seguida de isquemia nos espaços medulares do osso maxilar pode levar a uma situação de hipoxia. Esses gatilhos levam à ativação de vias de sinalização que favorecem uma predisposição para o desenvolvimento de doenças crónicas. No geral, os sistemas de comunicação celular são organizados em cascatas com estágios sequenciados e os mensageiros de sinalização como as citoquinas carregam instruções e são recebidas por células com recetores específicos que são capazes de reconhecê-los.
Em publicações anteriores, foi definido este processo inflamatório crónico como osteonecrose degenerativa gordurosa nos espaços medulares do osso maxilar (FDOJ). Este material clínico foi obtido de pacientes que foram tratados cirurgicamente por suspeita de inflamação crónica na área da mandíbula e que o FDOJ deveria contribuir para as doenças inflamatórias sistémicas.
A incapacidade de corretamente diagnosticar esta patologia medular antes ou durante a inserção de um implante dentário, poderá explicar, em alguns casos, porque existem implantes dentários que não integram, independentemente do médico ter seguido um protocolo correcto.
A saúde oral é fundamental no diagnóstico e tratamento de doenças sistémicas
Os mediadores de sinalização pró-inflamatórios, como RANTES/CCL5, em particular, afetam o organismo sistemicamente e podem resultar em processos inflamatórios crónicos. É geralmente aceite que no caso de um desequilíbrio entre as citocinas e seus inibidores específicos, haja uma predisposição elevada para desenvolver doenças inflamatórias crónicas. Nestes casos as citoquinas juntam-se para iniciar uma resposta imune e induzir eventos inflamatórios agudos, até criar uma inflamação crónica persistente. Isso significa que, para manter condições saudáveis, os mecanismos de produção de citoquinas devem ser controlados. Para isso é necessário perceber qual é a origem e o gatilho que desencadeia a produção destas citoquinas, e que é possível que a origem seja dentária. Por esse motivo, uma vez mais a saúde oral tem um papel preponderante no diagnóstico e tratamento de doenças sistémicas.
O FDOJ representa um novo fenómeno de resposta inflamatória celular em que as citoquinas não são desencadeadas pela presença de bactérias ou vírus. Assim, formulamos a hipótese de que a sinalização RANTES/CCL5 é um distúrbio crónico tipicamente derivado de áreas FDOJ que podem contribuir para o desenvolvimento de inflamações crónicas.