A cavidade oral é um ecossistema aberto, com um equilíbrio dinâmico entre a entrada de microrganismos, a colonização dos mesmos, e a defesa por parte do hospedeiro que tem como objetivo a remoção de agentes patogénicos. Para evitar a sua eliminação, as bactérias precisam aderir a superfícies dentais duras ou superfícies epiteliais. A formação e desenvolvimento do biofilme oral e a seleção interna de microrganismos específicos foram correlacionados com as patologias orais mais comuns, como cárie dentária, doença periodontal e peri-implantite. A remoção mecânica do biofilme e o uso adjuvante de desinfetantes e antibióticos têm sido os métodos convencionais para a terapia periodontal.

O que é o ozono?

O ozono (O3) é uma molécula triatômica, composta por três átomos de oxigénio, e a sua aplicação em medicina e medicina dentária é indicada para o tratamento de mais de 260 patologias diferentes. A ozonoterapia tem-se mostrado bastante benéfica em comparação com as modalidades terapêuticas convencionais que seguem uma aplicação minimamente invasiva e conservadora no tratamento dentário. A exposição dos mecanismos moleculares do ozono beneficia não só no tratamento de doenças periodontais, mas também no âmbito cirúrgico após uma extração dentária e na preparação para o leito implantar.

Na White Clinic aplicamos ozonoterapia desde 2017 com muito bons resultados. Posso dizer que não há cirurgia oral (extração, cavitação ou colocação de implante) ou procedimento periodontal em que não apliquemos ozonoterapia, ou até mesmo para a desinfeção da dentina após a remoção de uma cárie profunda. A ozonoterapia tornou-se um processo essencial na nossa prática clínica.

Que doenças trata o ozono em medicina dentária?

A periodontite é uma doença inflamatória destrutiva dos tecidos de suporte dos dentes e é causada por microrganismos específicos, resultando na destruição progressiva do ligamento periodontal e do osso alveolar com formação de bolsa periodontal, recessão gengival ou ambos1. As bactérias são os principais agentes etiológicos da doença periodontal, e estima-se que mais de 500 espécies bacterianas diferentes são capazes de colonizar a cavidade oral do adulto2 e as lesões da cavidade oral têm um imenso impacto na qualidade de vida do paciente com doenças avançadas complexas3. A periodontite foi associada como tendo um papel etiológico ou modulador nas doenças cardiovasculares e cérebro-vasculares, diabetes, doenças respiratórias e resultados adversos na gravidez e vários mecanismos foram propostos para explicar ou apoiar essas teorias.

A formação e desenvolvimento do biofilme oral e a seleção interna de microrganismos específicos foram correlacionados com as patologias orais mais comuns, como cárie dentária, doença periodontal e peri-implantite5. A natureza de uma comunidade microbiana oferece vantagens para os microrganismos participantes. Essas vantagens incluem uma faixa mais ampla de habitat para crescimento, uma resistência aprimorada a agentes antimicrobianos e defesa do hospedeiro e uma maior capacidade de causar doenças6. A patogenicidade do biofilme dentário na cavidade oral é ampliada por duas características do biofilme: aumento da resistência aos antibióticos e a incapacidade da comunidade de ser fagocitada pelas células inflamatórias do hospedeiro7. A remoção mecânica do biofilme e o uso adjuvante de desinfetantes e/ou antibióticos têm sido os métodos convencionais para a terapia periodontal8,9. Hoje em dia, os grupos de investigação procuram alternativas aos tratamentos com antibióticos (devido à resistência ao biofilme), e cada vez mais terapias como aplicação de ozono parecem ter um futuro promissor.

Em 1839, Christian Friedrich Schonbein, identificou pela primeira vez o surgimento de um gás pungente com um cheiro elétrico. De acordo com a língua grega, Schonbein chamou a este gás “ozono” e apresentou uma palestra na Basel Natural Science Society com o seguinte título: “O odor no eletrodo positivo durante a eletrólise da água”10. A terapia com oxigénio/ozono tem uma longa história de investigação e aplicação clínica em humanos. A primeira aplicação médica foi em 1870, quando o Dr. C. Lender purificou o sangue em tubos de ensaio. As aplicações médicas foram divulgadas pela Europa e América.

Em 1929, mais de 114 doenças foram indicadas para tratamento com terapia de oxigénio/ozono. Curiosamente, em 1930, um médico dentista alemão, Dr. E.A. Fisch, começou a aplicar ozono regularmente na sua prática clínica em Zurique, na Suíça, e publicou vários artigos sobre este tema.

Mais recentemente, um grupo da Alemanha com quem fazemos investigação, tem vindo a identificar uns focos inflatórios no osso maxilar e mandibular. Estas cavitações da mandíbula são caracterizadas por frações necróticas da medula óssea e as osteólises degenerativas gordurosas do osso maxilar (FDOJ) podem ser dolorosas ou permanecer assintomáticas por anos. Devido ao amolecimento da substância óssea, o espaço medular pode ser curetado. A degeneração do osso esponjoso estende-se até as áreas mandibulares, chegando até o canal do nervo alveolar inferior. Áreas afetadas por FDOJ podem ser impactadas pela super-expressão de mediadores inflamatórios, como as quimiocinas CCL5, conhecida também como RANTES (Regulated upon Activation, Normal T-cell Expressed and presumably Secreted). A origem destas cavitações pode ser devido a lesões quísticas associadas a dentes endodonciados, a quistos/ infeções dentárias não removidas na totalidade após uma extração dentária, ou pode estar associado a implantes dentários não integrados. O uso de ozonoterapia no procedimento pós-extracional para a limpeza da loca é crucial para evitar o aparecimento e eliminação de RANTES. O ozono também é aplicado no osso mandibular e maxilar durante o procedimento de eliminação da FDOJ.

A aplicação da ozonoterapia em medicina dentária é maioritariamente tópica. No entanto, o médico dentista deve considerar aplicar o método de hemoterapia maior com ozono no paciente para tratá-lo também a nível sistémico, pois por vezes essa inflamação e/ou infeção pode já estar a afetar a saúde geral do paciente.

Desinfeção da dentina com ozono após a remoção da cárie dentária.

Ozonoterapia: química e funcionamento

O ozono (O3) é uma molécula triatómica composta por três átomos de oxigénio, uma molécula termodinamicamente altamente instável que, dependendo das condições do sistema, como temperatura e pressão, se decompõe em oxigénio puro11. O ozono é 1,6 vezes mais denso e 10 vezes mais solúvel em água (49,0 ml em 100 ml de água a 0º C) do que o oxigénio. O ozono é o terceiro oxidante mais potente (E_ 5 12,076 V) depois do flúor e do sulfato.

O ozono é um gás instável que não pode ser armazenado e deve ser usado imediatamente porque tem uma semi-vida de 40 min a 20ºC12. É produzido naturalmente pela fotodissociação do oxigénio molecular (O2) em átomos de oxigénio ativados, que reagem com outras moléculas de oxigénio. Esse anião radical transitório rapidamente se torna num protão, gerando trióxido de hidrogénio (HO3), que, por sua vez, se decompõe num oxidante ainda mais poderoso, o radical hidroxilo (OH).

É a forma fundamental de oxigénio que ocorre naturalmente como resultado da energia ultravioleta ou relâmpagos, causando uma recombinação temporária de átomos de oxigénio em grupos de três. No ambiente clínico, um gerador de oxigénio/ozono simula relâmpagos por meio de um campo de descarga elétrica. O gás ozono tem alto potencial de oxidação e é 1,5 vezes maior que o cloreto quando usado como agente antimicrobiano contra bactérias, vírus, fungos e protozoários. Também tem a capacidade de estimular a circulação sanguínea e a resposta imunológica. Tais características justificam o interesse atual em sua aplicação na medicina e medicina dentária. Hoje em dia, esta terapia tem sido indicada para o tratamento de 260 patologias diferentes13.

O potencial de aplicação da terapia de ozono no corpo humano e os seus horizontes biológicos estão listados na tabela 1. O efeito antimicrobiano do ozono é o mais estudado. A terapia com oxigénio/ozono em medicina dentária contém múltiplos protocolos para lidar com infeções dentárias. São aplicadas três formas fundamentais de aplicação ao tecido oral: (1) água ozonizada, (2) azeite ozonizado e (3) oxigénio/gás ozono. Água ozonizada e azeite têm a capacidade de prender e libertar oxigénio/ozono, um sistema de distribuição ideal. Estas formas de aplicação são utilizadas isoladamente ou em combinação para tratar doenças dentárias. As diferentes aplicações clínicas da ozonoterapia no combate às doenças dentárias e as suas modalidades de tratamento estão descritas na tabela 2. A ozonoterapia também tem certas limitações e contra-indicações, conforme mencionado na tabela 3.

Em comparação com as modalidades da medicina tradicional, como antibióticos e desinfetantes, a terapia com ozono é bastante mais económica; reduzirá significativamente o custo médico e aumentará a eficácia do tratamento.

A medicina dentária está a evoluir com a introdução de terapias funcionais na prática dentária. A ozonoterapia tem-se mostrado mais benéfica do que as modalidades terapêuticas convencionais que seguem uma aplicação minimamente invasiva e conservadora no tratamento dentário. A exposição dos mecanismos moleculares do ozono beneficia ainda mais a prática da medicina dentária no tratamento de doenças orais. Tratar pacientes com ozonoterapia diminui o tempo de tratamento e elimina a carga bacteriana mais especificamente. O tratamento é indolor e a satisfação dos pacientes é superior, contando com um número quase nulo de efeitos adversos. As contra-indicações deste método ainda assim devem ser tidas em conta. É necessária mais investigação para regular as indicações e procedimentos de tratamento da terapia com ozono.

Desinfeção da loca pós-extracional com ozono.

Tabela 1: Aplicações da ozonoterapia

  • Danos antimicrobianos (bactericidas, viricidas e fungicidas) à membrana citoplasmática;
  • Oxidação do conteúdo intracelular;
  • Eficaz no caso de resistência a antibióticos;
  • Imunoestimulante;
  • Ativa o sistema imunitário celular e humoral. Proliferação de células do imunocomplemento. Síntese de imunoglobulinas;
  • Aumentar a atividade de fagocitose;
  • Ativação de antioxidantes biológicos;
  • Analgésico;
  • Anti-hipóxico e desintoxicante;
  • Ativação do processo aeróbio (ciclo de Krebs, glicólise, oxidação de ácidos gordos);
  • Bioenergético e biossintético;
  • Ativa a síntese de proteínas;
  • Metabolismo celular aprimorado (mitocôndria);
  • Síntese de interleucinas, leucotrienos e prostaglandinas; Síntese de imunoglobulinas.

Aplicação de ozono sistémico com a técnica de hemoterapia maior.

Tabela 2: Aplicações da ozonoterapia em medicina dentária

  • Eliminação de patógenos bacterianos;
  • Desinfecção de bolsa periodontal e desinfeção óssea;
  • Prevenção de cárie dentária;
  • Tratamento endodôntico;
  • Extração dentária;
  • Sensibilidade dentária;
  • Tratamento da articulação tempromandibular;
  • Retração gengival (superfícies radiculares expostas);
  • Controlo da dor;
  • Controlo de infeção;
  • Cicatrização acelerada;
  • Regeneração de tecido;
  • Controlo da halitose (mau hálito);
  • Remineralização da superfície do dente;
  • Branqueamento dentário;
  • Tratamento FDOJ.

 Tabela 3: Contra-indicações da ozonoterapia

  • Gravidez;
  • Doenças autoimunes hipertireoidismo;
  • Anemia;
  • Miastenia;
  • Intoxicação por álcool;
  • AVC, hemorragia, infarto do miocárdio;
  • Alergia ao ozono.
*Dra. Ana Paz, Ciência, Investigação e Actividade Clínica na White Clinic
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